25 de jul. de 2011

‘NADA SUBSTITUI O PODER DOS LIVROS’ – Roberto Feith fala sobre mercado, iPad e novos leitores

Notícia retirada da Coluna Direto da Fonte de Sônia Racy do Estadão.

‘NADA SUBSTITUI O PODER DOS LIVROS’

24 de julho de 2011 | 23h00

Direto da fonte

Roberto Feith fala sobre mercado, iPad e novos leitores

Formado em História e Economia, ele sempre quis escrever, mas acabou fazendo carreira na Rede Globo, como correspondente internacional. De volta ao Brasil, Roberto Feith cometeu a “loucura” de comprar a editora Objetiva. E, em 2005, vendeu o controle acionário para o Grupo Prisa-Santillana, um dos líderes internacionais do setor. Ele falou com a coluna diretamente de seu escritório, no machadiano bairro do Cosme Velho, Rio. Na pauta, os desafios de uma nova sociedade de consumo cultural.

Editar livros é bom negócio?
Pode ser um bom negócio, mas o mar está turbulento. O piloto tem de ficar atento, porque qualquer equívoco custa caro. Uma metáfora que me ocorre é a da dança das cadeiras. A quantidade de editoras é crescente, mas, quando a busca parar, as empresas que não estiverem estruturadas vão sobrar.

Por que os livros são tão caros no Brasil?
Olha, recebemos um agente internacional recentemente e ele ficou revoltado com a tarifa do taxi, com os preços dos hotéis e dos restaurantes. Maiores do que em qualquer cidade americana. E o livro não é diferente de outros produtos. Por outro lado, quero deixar claro: levantamentos da Fipe mostram que os preços médios dos livros no Brasil estão caindo. Principalmente por causa da publicação de edições de bolso e da entrada de novas editoras no mercado, que aumentou a concorrência

O mercado editorial brasileiro tem aumentado proporcionalmente à população?
Não, não segue o mesmo ritmo. A curva de evolução do mercado editorial se mantém colada à curva do poder aquisitivo das classes médias e baixas. É o que mostram pesquisas tanto do Sindicato dos Editores quanto da Câmara Brasileira do Livro. O ritmo de subida ou descida é praticamente o mesmo.

Se tivesse condição financeira, o brasileiro leria mais?
A gente fala muito da necessidade de alfabetizar, do contingente de pessoas recém-alfabetizadas como perspectiva de crescimento do mercado. Só que, antes de atingir esse segmento, existe o nicho dos alfabetizados que têm o hábito da leitura, mas que não consomem tantos livros porque os salários não permitem. É um contingente significativo, que tem influenciado o crescimento do mercado nos últimos anos.

As novas tecnologias têm influenciado no hábito da leitura?
Elas são uma maravilha. Eu tenho usado bastante, porque viajo constantemente e preciso ler muitos originais. O Brasil ainda não sentiu o impacto da chegada do livro digital, porque ainda não tivemos a disseminação dos dispositivos digitais. Há muitos iPads, mas eles têm um monte de funções, e a leitura é apenas uma delas. Já os aparelhos que foram desenvolvidos só para leitura, como o Kindle, não estão presentes de forma significativa no País. Quando isso acontecer, o livro digital decolará.

Quanto custa para o consumidor baixar um livro no Kindle? E quanto fica com o editor?
De modo geral, as editoras vão cobrar pela versão digital de 30% a 40% menos do que pela versão em papel. A evolução do mercado digital no Brasil ainda é muito limitada. A editora que lança um título em formato digital tem de investir também em uma versão impressa. Nos EUA, o mercado digital está ameaçando a sobrevivência das livrarias. Aqui, o impacto será mais lento e menor.

O livro de papel vai acabar?
Por enquanto não. Temos um universo muito grande de pessoas que só agora está entrando no mercado da cultura. Isso deve garantir mais um período de crescimento das livrarias nacionais.

Como as editoras buscam novos talentos?
Temos “batedores” em Londres, nos EUA e em Paris. Eles buscam títulos que possam atrair leitores, identificam novos autores. No Brasil, o contato com as agências literárias continua sendo importante. Isso faz parte da rotina, mas não é suficiente. A intuição não pode ser desprezada. O faro e a subjetividade podem definir o sucesso ou o fracasso de uma editora.

Você teve uma carreira como jornalista. O que fez com que se voltasse para os livros?
Depois que me formei em História e Economia, queria ser jornalista, pensava em escrever. Aí surgiu um emprego na TV Globo, em Nova York. Viajei o mundo inteiro, conheci a sociedade de diversos cantos do planeta. Nesse tempo todo, o apelo pela palavra escrita permaneceu. Quando surgiu a oportunidade de comprar uma pequena editora, chamada Objetiva, o impulso falou mais alto. Todo mundo dizia, na época, que eu era maluco por trocar a TV por uma mídia ligada ao passado. Mas liberdade é poder fazer o que a gente gosta. Acho que fiz muito bem.

Como você compara o conteúdo dos livros com o conhecimento gerado pela televisão?
No caso da ficção, o livro te permite uma viagem mais profunda e mais completa. Dificilmente o audiovisual ou a internet poderá oferecer o mesmo. Mergulhar plenamente no livro agrega conhecimento. É uma experiência sedutora, insubstituível.

Como você vê a produção intelectual brasileira?
Enquanto no resto do mundo a sociedade se move para proteger e estimular a criação intelectual, aqui tem gente querendo fazer o movimento contrário. As pessoas não trabalham de graça. Ninguém passa anos escrevendo um livro sem remuneração. Se autores brasileiros não forem estimulados, nossos alunos terão de usar cada vez mais publicações criadas no exterior, onde a produção intelectual é resguardada.

Por que iniciativas como a Flip são importante para o País?
A Flip e as Bienais do Livro têm um efeito multiplicador enorme. A valorização dos autores e de seus trabalhos é indiscutível. No caso da Flip, em que se procura trazer para o Brasil autores estrangeiros de qualidade, isso se torna uma forma importante de disseminação da cultura, do talento, do conhecimento.

Como a literatura brasileira é vista lá fora?
Está muito aquém da visibilidade do País como um todo. Eu vivi fora do Brasil nas décadas de 70, 80 e 90. Desde então, venho viajando a trabalho e acho que é indiscutível o crescimento do interesse global pelo Brasil. Mas isso não tem eco na literatura.

O que o Brasil tem de fazer para aproveitar essa oportunidade?
Os editores têm de apresentar as obras de autores brasileiros para seus parceiros internacionais. O governo triplicou a verba para a tradução. Acho muito bom. É uma possibilidade real que se tem para acelerar o processo. Nossa editora produz uma revista literária, a Granta, que nasceu na Inglaterra e agora está fazendo uma versão brasileira. Na edição nacional, que será apresentada no ano que vem, vamos abrir espaço para os jovens talentos brasileiros.

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